Rafael Vigna Editado em 11/07/2019
O 9º convidado do Programa Atualidades, na série de 15 entrevistas com os vereadores de São Borja, foi João Luiz Dornelles. Parlamentar de quarto mandato, ele é um tribuno de discurso firme e conhecedor do regimento interno da Casa. Filiado ao Progressistas, partido do governo, assumiu posição de independência em relação à base. Em 2016, recebeu 1.412 votos, ou 3,86% do eleitorado. As urnas garantiram a segunda maior votação no pleito passado. Agora, na Câmara, responde aos seus eleitores e a uma espécie de bancada formada por sua própria consciência.
Folha de São Borja - A sua entrevista tem sido aguardada, justamente, pelo fato de o senhor ter assumido postura de independência na Câmara. Qual a razão deste rompimento com as orientações da base do governo?
João Luiz Dornelles - Todo agente político se elege, em conjunto com um projeto político para a sociedade onde vive. Participei da construção deste atual projeto político, que lutava para retomar o Paço Municipal. Venho de uma formação política que me permitiu, aos 14 anos, estar filiado na Arena Jovem. Construí minha vida partidária trabalhando com militância. Nunca fui empurrado por ninguém. Fui levado pelos meus pais, mas foi com a minha militância que passei por todas as esferas partidárias. Fui presidente da juventude JDS, vice-presidente estadual da juventude, delegado nacional e tenho uma história política. Assim, participei deste atual projeto. No primeiro ano do atual prefeito, fui o líder do governo na Câmara. Trabalhei com tenacidade e vontade para que as políticas públicas fossem voltadas a toda a comunidade. Em certo ponto as coisas passaram a não contentar o meu pensamento político, porque eu sempre fiz vida pública com justiça social, buscando o caminho da transparência, com respeito aos munícipes e ao meus eleitores. São eles que me dão a responsabilidade de cumprir o papel de vereador. E assim o faço. Chegou um momento em que percebi que a minha presença já não era mais significativa para o meu partido...
Folha - Por que o senhor chegou a essa conclusão eem que momento?
Dornelles - Sempre tive um discurso firme. Aprendi com um grande líder que tive, o ex-prefeito e ex-deputado José Pereira Alvarez (Juca). Sou oriundo da mesma sigla partidária e de formação ideológica do antigo Partido Libertador. Isso significa lutar por políticas públicas, parlamentarismo, pelas coisas transparentes e por um discurso, sempre, em defesa do menos favorecido. Agora, é preciso fazer uma distinção bem clara. Um Partido político é diferente de um governo. O partido tem a sua ideologia e formação. Dentro de um partido, há os que concordam e os que não concordam. É preciso respeitar as diferenças, porque formamos uma agremiação. Se fosse para todos concordarem, não seria necessário existir partido político, não necessitária – dentro do poder legislativo – existir oposição e situação. A consciência de cada parlamentar é o seu maior legado. No momento em que um parlamentar entende que aquilo não o serve, ele precisa se retirar. Assim o fiz. Tornei-me independente, comuniquei ao prefeito e fiz questão de expor as minhas insatisfações à bancada. Meus colegas também aprestaram as suas na época. Eu me retirei da liderança do governo e permaneci votando projetos de bem comum e políticas públicas para a comunidade. Essa é a minha responsabilidade na Câmara. Não faço mais do que a minha obrigação quando voto as coisas boas para São Borja. Agora, o que eu entendo que não é de interesse real da sociedade onde vivo, tenho a obrigação de votar contra, mesmo que o meu partido esteja no governo. É assim que se faz a boa política. Sempre lembro os meus companheiros que, quando deputado estadual, José Pereira Alvarez teve fortes enfrentamentos com as lideranças estaduais e com o então governador Antônio Britto por entender que não era aquele o pensamento que regrava a cartilha do partido. Juca sempre agiu por sua consciência e pela defesa da sociedade gaúcha.
Folha - Votando em linha com a oposição em algumas pautas inclusive...
Dornelles - Sim, votando com a oposição, em questões como a extinção da Caixa Estadual e outros temas. Ele entendia, na época, que aquele projeto era prejudicial ao Estado. Mesmo tendo esses embates internos, sempre foi respeitado pelo partido. Arcou com as consequências na sua reeleição, mas foi um homem que, ao seguir sua consciência, deixou sua marca na Assembleia Legislativa. Procuro me espelhar nestes grandes líderes. É isso que tento explicar a todos aqueles que me interpelam. Um partido político é uma agremiação que luta para chegar ao poder e desenvolver o seu plano de governo.
Folha - Ou seja, o senhor se retirou do governo, mas não do partido?
Dornelles - Exato. Mesmo que, agora, eu esteja sofrendo algumas retaliações, que me entristecem profundamente, a minha história não é de um dia ou de um mês. É uma trajetória de 43 anos de militância. Ajudei a construir muitas coisas dentro do meu partido e, no atual momento, me entristece ver os últimos acontecimentos. Eu tive vários líderes partidários. Vi homens e mulheres e os embates que tínhamos dentro do nosso partido. Lá debatíamos e lá nos acertávamos. Debatíamos internamente e caminhávamos juntos externamente.
Folha - Neste contexto, a impressão que se tem é que isso tem subido ao plenário. Há exemplos claros, o mais recente é o seu projeto de proibir a inauguração de obras inacabadas. O senhor votou favorável a um projeto semelhante do vereador Eugênio Dutra (Progressistas), que previa o depósito de uma caução de 20% do valor das licitações, mas não obteve o mesmo retorno da base. Isso se deve a uma disputa partidária ou de governo?
Dornelles - O projeto do vereador Eugênio é algo que me satisfaz na condição de agente político. Estou cansado de ver obras com 20%, 30% ou 50% concluídas serem abandonadas pelas empreiteiras. Por isso, acredito que o texto do vereador Eugênio serviria como uma proteção ao poder público. Uma segurança contra essas empresas que vivem de galho em galho, pegando obras, e deixando os municípios a ver navios. Era um ótimo projeto e, como tal, recebeu meu voto. O meu projeto é uma tendência em todo o Estado. É ético e transparente, não tem a intenção de prejudicar ninguém. Fiz um projeto que protege os interesses da sociedade. A base fez uma defesa de que o projeto teria que permitir inaugurar obras por fragmentos. Isso não existe. Está lá no edital o valor e no que consiste a obra. Se for algo enorme, feito por etapas, tudo bem. Já está estipulado na licitação. Mas não aceito essa história de que o edital é fragmentado, deixando margem para que os agentes políticos utilizem de maneira demagógica a inauguração de obras. Isto não me serve. Por esta razão, apresentei este projeto. A minha parte eu fiz e continuo fazendo. Aqueles que não quiseram é que necessitam responder às próprias consciências.
Folha - Costuma-se dizer que “em política nada é definitivo”. O senhor diria que a sua postura com relação ao atual governo é algo definitivo ou existe margem para uma reconciliação?
Dornelles - Eu sou um legislador. Fui eleito vereador para legislar e fiscalizar o dinheiro público. A minha obrigação é ser ético e responsável. Fui oposição por 8 anos e sempre fiz uma oposição responsável, com transparência, nunca raivosa. Sempre votei favorável a projetos de interesse comunidade, mesmo nos governos passados. Não é porque estou na oposição que terei de fazer algumas manifestações e quando sou situação apenas inverter a lógica, tornando-me demagogo na defesa de uma ação que, antes, eu criticava. Isso eu falo com a maior tranquilidade. Não sou homem de duas caras para agir desta maneira – representar que quando sou oposição nada me serve e quando sou situação tudo me serve. Não. Eu acredito que o agente político que tem responsabilidade deve se balizar pela sua consciência, sabendo discernir o certo do errado. É assim que eu trabalho.
Folha - Outra questão diz respeito ao seu futuro político e as suas intenções no próximo ano. O senhor tem intenção de buscar uma nova sigla e disputar a prefeitura?
Dornelles - A política é a mais bela das ciências depois da teologia, já dizia Santo Tomás de Aquino. Nesse momento, sou vereador do Partido Progressistas, continuo com minhas obrigações partidárias. O que está escrito na cartilha do meu partido, que é a defesa do bem comum, eu vou continuar honrando enquanto eu estiver no Progressistas. Nunca esquecendo do compromisso que tive e tenho com os 1.412 votos de confiança que me foram depositados em urna. A partir do momento em que fui diplomado na Casa de Aparício Mariense, eu sou vereador de todos os são-borjenses. Permaneço sendo um Progressista até o momento de tomar uma decisão sobre o meu futuro político. Tenho 57 anos e faço vida pública e militância desde os meus 14 anos. No meu partido, sempre fui representado por homens e mulheres de formação e experiência política. Infelizmente, no atual momento, eu não enxergo mais isso. Essas coisas têm me tocado profundamente. Por isso, me dirijo aos meus companheiros mais antigos e peço que eles reflitam. E este o rumo que nós devemos tomar? Quem está errado sou eu em me tornar independente? Nós não temos que repensar algumas questões que hoje percebemos e não nos representam? Não representam aquilo tudo que aprendemos em nossa caminhada partidária. Peço que saibamos separar partido e governo. O nosso partido lutou para propor um projeto político, mas temos que manter a independência. O partido é que necessita manter o comando do seu grupo partidário. Do contrário, não necessitaria existir um partido. Aqueles partidários que me conhecem, sabem o que eu estou dizendo.
Folha - Às vezes essas questões político-partidárias acabam tomando uma proporção maior, mas o senhor é um parlamentar atuante, é profundo conhecedor do regimento, é combativo e atua na elaboração de projetos. Quais são os destaques neste sentido?
Dornelles – Existem os vereadores mais experientes. Procuramos sempre estudar o regimento da casa, dialogando com os menos experientes, para que o ato regimental seja lícito. No que se refere aos projetos, há esse que prevê o ensino de Libras (Língua Brasileira de Sinais) nas escolas municipais. Já há um parecer favorável e outro desfavorável. Ingressei com um requerimento. É uma matéria que se torna piloto no Rio Grande do Sul e estabelece o ensino de Libras, numa oficina de estudo nas instituições que compõem a rede municipal. Isso permite que se faça a inclusão não apenas da criança que necessita da língua de sinais, mas sim de todos os alunos que terão de interagir com ela. Isso é usar a inteligência para fazer a verdadeira inclusão. É algo para quem quer fazer educação de qualidade. Não adianta apenas tentar colorir a educação. Este projeto vem de base e vai da pré-escola até a 5ª série tentado prepara o cidadão para interagir com seus colegas, que necessitam se comunicar com a língua de sinais. O projeto deve ir à Plenário. Agora, para uns, os pareceres são favoráveis, para outros, desfavoráveis. Na sessão passada dei meu voto favorável à criação da Carteirinha do Autista (Projeto de André Dubal – Progressistas), mesmo que o projeto em sí tenha problemas no que se refere a interferência entre os poderes. Fiz isso, porque entendo que é algo social, de interesse de toda a sociedade. Espero que o meu também vá a Plenário, seja aprovado e implantado, para que no futuro possamos dizer que a Câmara aprovou um projeto pioneiro e a sociedade está recebendo o benefício por meio das políticas públicas de educação. Isso sim vai fazer a transformação da educação. É a educação para todos, não para alguns poucos.
Receba em seu e-mail as notÃcias da cidade, promoções e tudo sobre a programação da Rádio Cultura AM 1260